Doces bárbaros :: Texto e voz Maria Sanz


Doces
bárbaros

Os bem comportados que me perdoem, mas – mesmo correndo risco de estar sozinha  nesta opinião, direi que, para cerimônia, os amantes triunfantes não têm a menor vocação. 

Tsc, prementes e pouco chegados aos debruns de civilidade que são, com fome então, aí já era! Dispensam qualquer encenação e nos atropelam com a força da gula sincera.        

– Deus me livre, quem me dera…

Como doce de leite roubado da geladeira, no meio da madrugada, este tipo de macho nos toma de assalto, às colheradas. Abandonam prato, guardanapo, faca e garfo. Deixam a etiqueta de lado e não pedem autorização. Agem com vontade de brigadeiro, sem consultar a razão. 

Pudera, mulher  tem faro fino para o medo e a exitação. 

É preciso talento de golpista, agilidade de batedor de carteira, fúria de apaixonado e charme de cachorro pidão para desarmar o relógio suíço do pensamento feminino  programado para, primeiro, dizer “não”. 

Entre pêssego em calda (na lata) e goiaba do pé (da casa ao lado), está o beijo furtado dentro do carro. 

– Ah, dos delitos, este é o mais desejado. 

Impulso, lábios, calafrio, hálito e o rádio… Mãos ao alto, camisas dispensadas, vidros embaçados e juras entre os dentes, ao som do velho comercial de supermercado. 

Neste caso, o bárbaro desligará agilmente o rádio, sem perder o mel dos lábios. O civilizado, por outro lado, entre desconcertado e afobado, vai emendar um “vamos sair daqui?” – (então é o fim). Mulher não resiste à uma consulta. 

– “Não posso. Tenho que ir. Me alcança minha blusa”. 

Preferimos os movimentos à paisana. Homem bamba, delicadamente desajeitado. Sem talento para galã, nem vilão (se tem coisa que a gente detesta, é texto decorado). Mas, sucumbimos irremediavelmente às palavras sequestradoras dos sentimentos abafados. 

Hum, telefonema de confissão (sincera) de surto de saudade, com requinte de detalhes (do cheiro, do hálito, daquela noite, naquele quarto), também costuma arrastar qualquer mulher para o cativeiro… Sonhando ao volante, suspirando no chuveiro. 

Não duvide, a incontinência dos segredos é infalível em nos operar arrepios. 

Mão cheia de pipoca doce, caindo da boca, em cima do sofá, por dentro da roupa. Vontade indefensável que atropela o recato. Tudo que é coisa boa, que quanto mais se come mais aumenta a fome. Sinfonina de colher em pote de iogurte, raspado pelos inconformados; resto de calda inalcançável lambida do prato; todo vestígio de milkshake sugado por um par de canudos obstinados. 

Fica combinado que toda gula carrega em si uma dentada de luxúria.

 

Cheiro nos cabelos, barba na nuca, mãos pela cintura. De repente, quadris pressionados contra a pia:  é um assalto (perigo). “Mas e as claras em neve”? – (Ela suplica, se entregando aos outros suspiros). 

Entre gargalhadas, escapa, corre, se refugia na sala. Ele a alcança pelo avental, com pressa de arrancar papel de bala. 

Ele, caramelo. Ela, maluquinha de uva. Morde, estica e puxa. 

Rendição, armistício tácito. 

Amor e açucar são sempre urgentes para estes bárbaros.  

Maria Sanz Martins

 

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