Todo Mundo
Já perdeu a chave de casa
Já comeu um bicho de goiaba
Já falou na hora errada
Já exagerou na pimenta
E já mereceu uma palmada.
Todo mundo já ouviu uma fofoca maldosa.
Já matou aula na escola
Já sentiu apertar o sapato
E já experimentou cigarro.
Todo mundo já passou uma noite em claro
Já precisou de um trocado emprestado
E já esqueceu (de propósito) de dar um recado.
Todo mundo já tomou um banho de gato
Já se arrependeu de ter ligado
Já se fez de coitado
E já rasgou um retrato.
Todo mundo já sofreu por amor.
Já chorou escondido
E já se sentiu perdido.
Todo mundo já ganhou um beijo roubado
Já guardou roupa suja de volta no armário
E, pra se livrar de um chato, já deu o próprio telefone errado.
Todo mundo já sentiu ciúme
Já se encharcou de perfume
Já deixou comida no prato
E já passou pra frente um boato.
Todo mundo já contou mentira
Já sentiu frio na barriga
Já se fez de bobo
E já fugiu de uma briga.
Todo mundo já futucou uma ferida.
Já Pediu colo
Já Sentiu saudade
E já duvidou de uma amizade.
Todo mundo já fez de um copo uma tempestade.
Todo mundo, ao menos de vista, conhece o pecado.
Todo mundo tem, no fundo, um segredo guardado.
Somos todos humanos seres – ora presas indefesas, noutras, predadores implacáveis.
Somos carcaça, pêlo, cheiro, garras e língua afiadas.
Somos, como se sabe, feitos de certezas, paredes, chão e telhado de vidraça.
Somos apaixonados, misteriosos e desconfiados. Ansiosos, curiosos, ciumentos e apressados. Somos pais, filhos, amigos, namorados, amantes, parentes, colegas, patrões e funcionários. Falíveis heróis, ou bondosos algozes, mas, de modo geral, sempre bem intencionados.
Temos um mundo inteiro dentro da gente – sol nascente, lua crescente, arco-íris, catástrofes, incêndios, enchentes. Somos um mistério profundo – talvez jamais saibamos de onde viemos ou para onde vamos.
Somos, sobretudo, confusos. Mas, ainda bem, não só eu, nem só você – somos nós e todo mundo.
Maria Sanz Martins