Todo mundo :: Texto e voz Maria Sanz

 

Todo Mundo

 
Já perdeu a chave de casa

Já comeu um bicho de goiaba

Já falou na hora errada

Já exagerou na pimenta

E já mereceu uma palmada.


Todo mundo já ouviu uma fofoca maldosa.

Já matou aula na escola

Já sentiu apertar o sapato

E já experimentou cigarro.


Todo mundo já passou uma noite em claro

Já precisou de um trocado emprestado

E já esqueceu (de propósito) de dar um recado.


Todo mundo já tomou um banho de gato

Já se arrependeu de ter ligado

Já se fez de coitado

E já rasgou um retrato.


Todo mundo já sofreu por amor.

Já chorou escondido

E já se sentiu perdido.


Todo mundo já ganhou um beijo roubado

Já guardou roupa suja de volta no armário

E, pra se livrar de um chato, já deu o próprio telefone errado.


Todo mundo já sentiu ciúme

Já se encharcou de perfume

Já deixou comida no prato

E já passou pra frente um boato.

 

Todo mundo já contou mentira

Já sentiu frio na barriga

Já se fez de bobo

E já fugiu de uma briga.


Todo mundo já futucou uma ferida.

Já Pediu colo

Já Sentiu saudade

E já duvidou de uma amizade.


Todo
mundo já fez de um copo uma tempestade.

Todo mundo, ao menos de vista, conhece o pecado.

Todo mundo tem, no fundo, um segredo guardado.


Somos todos humanos seres – ora presas indefesas, noutras, predadores implacáveis.


Somos carcaça, pêlo, cheiro, garras e língua afiadas.

Somos, como se sabe, feitos de certezas, paredes, chão e telhado de vidraça.

Somos apaixonados, misteriosos e desconfiados. Ansiosos, curiosos, ciumentos e apressados. Somos pais, filhos, amigos, namorados, amantes, parentes, colegas, patrões e funcionários. Falíveis heróis, ou bondosos algozes, mas, de modo geral, sempre bem intencionados.


Temos um mundo inteiro dentro da gente – sol nascente, lua crescente, arco-íris, catástrofes, incêndios, enchentes. Somos um mistério profundo – talvez jamais saibamos de onde viemos ou para onde vamos.

Somos, sobretudo, confusos. Mas, ainda bem, não só eu, nem só você – somos nós e todo mundo.


Maria Sanz Martins

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *